As quizilas, as réplicas e tréplicas inerentes ao pathos convivial — contraparte necessária ao pathos da distância constitutivo da linguagem da poesia — nos condenam a uma atitude de análise em que o importante é nos sentirmos implicados quer nos logros, quer nas pertinências que denunciamos.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

signagem da água


Destaco uma narração leve do surfista Fábio Gouveia: “Outro dia estava pedalando após uma neblina e, ao passar por uma área de mato que havia sido queimada, junto com o aquecer do sol subiu aquele cheiro de surfe junto com o vento terral.
Mas, espera aí, cheiro do surfe ou de mato queimado? Coisas lembram coisas. Músicas, cheiros etc lembram coisas. E mato queimado com brisa me lembra Pontal de Baía Formosa e suas ondas em dias clássicos.”

Essa largada do surfista paraibano, dropando numa curiosa associação de idéias, me permite intuir que a onda, suporte líquido para a prancha espátula, suporta também uma escrita, um traço tão vertiginoso quanto passageiro. Longe de se submeterem comodamente ao fluir ruidoso e imenso do mar, surfistas como Gouveia, Tom Curren e Slatter talvez pretendam um traçado sem outra perspectiva que não o movimento em si - ríspido, às vezes indeciso: uma tauromaquia na espuma.

Pela inquietude irrepetível de suas linhas, impossível duvidar que a intenção de seus executores não seja escrever algo em crispação – um signo, um S (de Surfe?), nesse espaço em construção contínua. E, convenhamos, alí não há tempo para “escrever virtudes na água” nem condições metafísicas para algum falacioso “terror diante da pagina em branco”.

Desencanado, o surfista espera a oportunidade de uma boa onda – que pode não se realizar, ao mesmo tempo dando margem para que ela aconteça e permita sua ilusória adequação ao revolto. O lip mínimo da onda, beirando o abstrato, parece um convite a uma grafia em suspensão que faz a prancha rivalizar com seus limites líquidos, imprecisos.

Vejo também nessas manobras de plástica nomenclatura (floater, snap, lay back, drop, swell, tail slide...) mais que um mero catálogo de estratégias para domar o ímpeto do mar quase monolítico, a tentativa mesma de circunscrever na onda o risco, a grafia com as quilhas, não abdicando do peso ocasional do deck - a mão empunhando o impulso. E, arrisco, a hesitação diante da parede líquida, a indecisão quanto ao momento certo da rasgada e o da investida nesse abismo em fuga, concedem uma remota equivalência com certas propostas de extrair o máximo de euforia de um mínimo de duração.

Cândido Rolim

4 comentários:

  1. Parabens meu caro, mas essa manobra chama-se lay back e surfar é a maior das metafisicas. Com muita paciencia e uma procura por ondas interminavel como um escritor procura por palavras. Dediquei bastante tempo paraticando esse esporte e sempre que posso volto pro mar. Lá esquecemos de tudo e saimos de alma lavada,

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  2. Parabens meu caro, mas essa manobra chama-se lay back e surfar é a maior das metafisicas. Com muita paciencia e uma procura por ondas interminavel como um escritor procura por palavras. Dediquei bastante tempo paraticando esse esporte e sempre que posso volto pro mar. Lá esquecemos de tudo e saimos de alma lavada.

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  3. Valeu, José Leite! certamente, enquanto, abstraído, o surfista vive ao máximo a precariedade da água, sob as garras de poseidon, pensamos estar seguros em terra firme. abração e grato pela visita.
    Cândido.

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  4. nunca imaginei que o surf tivesse tanta poesia!
    parabens!!!

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