As quizilas, as réplicas e tréplicas inerentes ao pathos convivial — contraparte necessária ao pathos da distância constitutivo da linguagem da poesia — nos condenam a uma atitude de análise em que o importante é nos sentirmos implicados quer nos logros, quer nas pertinências que denunciamos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ronald Augusto, uma Peri-peça


Por outro lado, pode-se também ler esse poema pelo viés da malandragem. A pose apolínea é triturada por uma sub-ratio defectiva, desencadeadora de uma nova casta de sentidos. Longe do mero decalque, de uma simples incisão exótica nos tipos, na verdade uma provocação mais radical aqui se realiza. Virando as costas à reverência e ao porte das divindades incrustadas num olimpo semântico, com certo gracejo, o poema, através do enxerto radical de estilemas e códigos, opera sua insubmissão. Não sendo permitido falar desde um pódio de acepções consagradas e autorizadas (o grego), o vocabulário negro engole o grego e o expele, agora sim, num lance de apropriação traquina; afronta matreira de Ogum a Zeus. Para tanto há que se observar a já referida justaposição persistente (em vermelho e negro) dos tipos que funcionam na cena caligráfica como elementos que se miram desde uma proximidade apenas consentida. E é com esse procedimento de ginga que o poeta fabula em cima das falas para, convencionalmente, driblar mais um enguiço im/posto pela tradição.

Claro, tipos gregos parecem gozar do conforto etimológico de comporem palavras, idéias, projetos, ideologias que servem de pilares e conformação às verdades e à ordem pública ocidental. Algo que, se não garante sua imutabilidade, pelo menos assegura, há anos, uma espécie de “autoridade de fonte” quanto ao ponto de partida (e de chegada) das discussões e até mesmo de uma forma de pensar. Daí, a peça de Ronald Augusto comportar também uma estratégia de desconstrução elíptica e crítica dessa idéia tão corriqueira quanto folclórica de hibridismo, mesmo, e também por isso, sendo uma experiência que se dá nas fronteiras gráficas dos discursos: a scriptio defectiva iorubana invade a scriptio lapidar grega, a língua vulgar se imiscui nas saliências da matriz dominante, enquanto instância onde se decide e se decreta o saber, o sabor, a cultura. Não por acaso, em outra versão desse mesmo poema o autor denomina o poema visual de “negro engole grego”.
(esse post foi retirado do artigo em Germina Literatura: http://www.germinaliteratura.com.br/2009/literatura_dez2009_candidorolim.htm)

Cândido Rolim

4 comentários:

  1. Eu não sei se é hibridismo ou uma justaposição provocativa... Como quem diz: estou ao lado, no tempo e no espaço, e venho depois, sou um poema "não-clássico", porque não quero, nem posso ser "neo". Só posso ser a alteridade.

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  2. Ótima tua leitura, Maciel. certamente beira a alteridade. a "justaposição provocativa", como vc fala, é mais um esgalho dessa peça do Ronald. uma trampa de Ogum a Zeus no plano mítico e, claro, a ranhura de uma outra fala periférica. abração
    Cândido.

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  3. Está muito em voga no discurso historiográfico a leitura híbrida, a opção por fenômenos em que os trânsitos culturais dão margem a inúmeras trocas. Enfatiza-se o "e" e esquece-se do "ou"... Há implicações ideológicas na escolha de um destes conectivos. O "e" agrega, soma contribuições, mestiça tudo, positivando as relações e trocas... O "ou", essa outra leitura, é mais da resistência, dos atritos e ranhuras dos contatos humanos... Existe tudo isso (e-e, ou ou)... Quase nunca é uma só coisa. Abraços.

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  4. Concordo com tua observação, Maciel. A metáfora do "melting point", carnavalesca ás vezes, no fundo camufla certas "junções" cujos rebites de intolerância permanecem escancarados, denunciando algo que não se resolveu, não se dissolveu na e pela idealização da "msitura de raças e culturas". Daí, a outridade, ao invés de ser vista como uma conquista, um espelho, é assimilada como um dogma que impossibilita a diálogo, o convívio.

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