As quizilas, as réplicas e tréplicas inerentes ao pathos convivial — contraparte necessária ao pathos da distância constitutivo da linguagem da poesia — nos condenam a uma atitude de análise em que o importante é nos sentirmos implicados quer nos logros, quer nas pertinências que denunciamos.

domingo, 14 de novembro de 2010

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

anacronia do drible


o jogo, as apostas, dão-se a meio caminho do que pode acontecer. o jogo, no fundo, nega a fruição do desfecho; sonega um derradeiro gesto. o melhor e mais eficaz contendor talvez seja aquele que ignora o desfecho, aquele que concentra toda sua energia numa tarefa situada entre a aposta e o resultado, que se realiza – se o acaso permitir, no entretempo, no interstício.

espera-se um resultado, mas não diviniza o triunfo em si (do contrário, permitir-se-ia desistir). “um bom drible vale mais que o gol”, diz o boleiro. o drible difere o êxito, podendo, no entanto, resultar em torná-lo mais notável, pela simples proximidade de um arranjo anárquico, súbito. exemplo: Garrincha, seu capricho gratuito, desmesurado, contraproducente às vezes. em visada a seu itinerário obsessivo em mínima faixa do campo, parece que segue o “caminho que não leva a lugar nenhum” (o Holzwege, de Heidegger), ou os seus “caminhos florestais”, lembrados por Hannah Arendt.

a agudeza irresponsável do drible desborda a tática, eviscera a parcimônia do projeto-disputa, quase como um elemento de fanfarronice. mas observando as performances de atletas ao longo da história – Mário Sérgio, Lionel Messi, Pelé, Zinedine Zidane - perguntas do tipo “Garricha jogaria hoje? Garrincha faria o que fez com o tipo de marcação atual?” pedem uma resposta reticente, mas sem grande margem para equívoco: provavelmente sim.

no entanto, o drible como um corte paratático, de meta só aparentemente identificável, que tem o gol como eventualidade, por não se sujeitar a um aperfeiçoamento programado e baseado em scouts - essa performance parece reeditável, em qualquer tempo.

e isso se deve, ao que tudo indica, porque o drible parece nascer de uma dobra anárquica do esforço, uma enteléquia infiltrada na evolução dos movimentos do atleta, quase esnobando da predestinação apolínea dos músculos. daí sua projeção instantânea surpreender o cálculo producente do defensor: é possível perceber que o habilidoso atacante deixou atrás de si destroços de um metódico e disciplinado (agora angustiado) projeto de contenção. afinal, parece que nada conseguiu abortar a fuga subversiva (álacre manobra entre 2 ou mais pontos), contrária a seu domínio.

Cândido Rolim

Em vídeo no Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=yvT6Br8A7Uo

domingo, 7 de novembro de 2010

cinema catastrófico





no cinema de catástrofe, pelo menos em relação aos produtos mais conhecidas na indústria de Hollywood, a natureza das cenas, a platitude dos diálogos, tudo permanece fiel a um standard que não abala nem desarticula o horizonte de uma realidade excessivamente amena.

tem-se a idéia de que tudo sempre se aproxima de mais um rotineiro roteiro de filme de ação, em que se destaca a figura de um personagem absurdamente invulnerável, agora agitado aqui acolá por tremores de terra, meteoros, tempestades de areia ou seres devastadores, close de maquetes tombadas sob ondas fictícias de oceanos alterados, pessoas em rota de colisão com seu cotidiano, sob o encalço de automóveis desgovernados.

os personagens – notadamente a figura de um presidente ou um executivo que tem sempre as rédeas da situação – atravessam as cenas com tal indiferença e gracejo que esse realismo postiço acaba por dissolver as circunstâncias trágicas de fundo.

em resumo: nos filmes de catástrofe, esta não é seguramente a personagem principal. e, ainda, o drama, por mais terrível e incontrolável, ainda que leve a termo raças e espécies, nunca será bastante para livrar o espectador de um passeio inevitável por diálogos e situações bisonhas, melodramas e piadas tão inócuas quanto inadequadas para o pathos agonístico da trama.

Cândido Rolim



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